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REVISITANDO TRÊS "MIRADAS" ESTIMULAN-TES DIRIGIDAS À HISTÓRIA DA HUMANIDADE
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Iraci del Nero da Costa
São Paulo, junho de 2007

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....Quando contrapomos o homem aos demais seres da natureza verificamos que ele é um ser em si, para si (tem consciência de si, de sua existência) e, no plano social, poderá vir a ser por si, vale dizer poderá chegar a "pôr" a vida social, a criar conscientemente formas de sociabilidade e de vivência econômica, comportando-se, portanto, como sujeito e senhor autoconsciente de seu futuro. Há, portanto, um processo histórico e lógico mediante o qual o homem passa da condição de ser em si para a de ser em si e para si e, num último momento, para a condição de ser em si, para si e por si.

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....Correlatamente, quando tomamos a história da humanidade observamos o homem desgarrando-se, destacando-se, a pouco e pouco da natureza. Podemos adotar, pois, uma "mirada" específica e vermos a história da humanidade como o processo de individuação do homem. Os homens deixam de ser meros entes naturais para transformarem-se, ao final de um processo histórico e lógico, em indivíduos cientes de sua condição e que livremente se associam para construir, criar, consciente e deliberadamente a sociedade planejada em que desejam viver. De um ser que se sente e se vê como uma pessoa integrante de um grupo, passa o homem a saber-se como uma individualidade destacada de todo o universo, individualidade que se associa livre e conscientemente com os seus iguais.

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....Uma terceira "mirada" mostrar-nos-ia o homem caminhando do reino da necessidade ao da liberdade. Neste caso ele estaria, num primeiro momento, total e imediatamente entregue aos condicionamentos naturais. Num segundo momento, alargaria seus graus de liberdade mediante a consciência que vai assumindo dos processos em que se insere e mediante a conseqüente atuação consciente que lhe permite definir-se como mediador entre sua própria existência e as condições com as quais se depara. Para, num terceiro momento, alcançar a liberdade plena, que representa a culminância do aludido processo histórico e lógico e que se explicita na emergência efetiva de um homem inteiramente sabedor de seus condicionamentos materiais e, por isto mesmo, capaz de realizar sua plena liberdade à medida que projeta e estabelece, conscientemente, a sociedade na qual deseja viver. Liberdade esta a qual, como queria Hegel, representa o conhecimento (e a adequação) à necessidade, não se pondo, pois, como a realização arbitrária de toda e qualquer volição.

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,,,,As três "miradas" acima descritas definem-se, para mim, como três processos solidários que se condicionam mutuamente (são inter-dependentes) e que se entrecruzam (estão inter-relacionados).

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....Assim, o estabelecimento da propriedade privada embasou, objetivamente, a emergência do conceito de indivíduo, vale dizer, a formulação, conscientemente assumida pelos homens de que cada ser humano distingue-se de tudo o mais, inclusive dos demais humanos. Afirmei, em quadro didático destinado a meus alunos e calcado em autores marxistas: "A propriedade privada leva ao para si (reconhecimento de si), ela é a objetivação do eu individual. Quando digo isto é meu, digo isto não é de mais ninguém, ou seja, reconheço-me como algo distinto e isolado de todos os outros homens, reconheço-me, pois, como indivíduo: único em relação a todos os demais e a tudo o mais (grupo, tribo etc. e objetos - que não são eu, mas são meus). O reconhecimento do EU é mediado pelos objetos (propriedade) e não se dá exclusivamente de maneira abstrata. O EU exterioriza-se (objetiva-se) na MINHA propriedade a qual torna possível que eu me reconheça como INDIVÍDUO: único e isolado de tudo o mais e de todos os demais." (COSTA, 2005).

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....Já a transformação da força de trabalho em mercadoria, além de autonomizar o mundo econômico e lastrear objetivamente a igualdade de todos perante a lei, deu sustentação à universalização da democracia, dos direitos humanos e de cidadania (sobre este tema leia-se: MOTTA & COSTA, 2004).

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....Por seu turno, a crítica do capital e do capitalismo efetuada por Marx instituiu as bases sobre as quais assenta-se a possibilidade de o homem devir um ser por si (com respeito a esta questão veja-se: MOTTA & COSTA, 2000).

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....Estas ponderações justificam, a meu juízo, a interdependência e o inter-relacionamento aludidos acima; servem elas, ademais, para ilustrar as ricas potencialidades analíticas encerradas nas três "miradas" que abrem esta crônica. Aprofundar a leitura da história e das demais ciências sociais com base em tais perspectivas pode representar, pois, o enriquecimento das formulações necessárias a que nos tornemos senhores autoconscientes de nosso futuro.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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COSTA, Iraci del Nero da. QUADROS DIDÁTICOS: QUADRO I - Caracterização de alguns modos de produção. São Paulo, 2005, p. 1, mimeografado.
MOTTA, José Flávio & COSTA, Iraci del Nero da. Hegel e o fim da história: algumas especulações sobre o futuro da sociabilidade humana. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política. Rio de Janeiro, Editora 7 Letras, número 7, dez. 2000, p. 33-54.
MOTTA, José Flávio & COSTA, Iraci del Nero da. A mercadoria força de trabalho, o capitalismo e a emergência de uma nova forma de sociabilidade humana. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política. Rio de Janeiro, Editora 7 Letras, número 14, jun. 2004, p. 32-47.
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