NOTAS SOBRE PROCEDIMENTOS DE PESQUISA: ALGUNS ELEMENTOS A SEREM CONSIDERADOS NO ESTUDO DE NOVAS ÁREAS INCORPORADAS AO ECÚMENO


Iraci del Nero da Costa
Agnaldo Valentin




Quando se analisa o processo de incorporação de uma área (neste texto nos permitimos tomar, como sinônimos, os termos "local", "núcleo", "área" e "região" ) ao ecúmeno é recomendável atentar, antes do mais, para seus predicados geográficos e os fatores que atuaram no sentido de atrair seus ocupantes. Quanto a estes, é preciso procurar reconhecer suas expectativas e os eventuais planos que formularam quando decidiram deslocar-se para tal área e ocupá-la. É necessário, ademais, efetuar o levantamento de seus conhecimentos, de seu preparo para a promoção do aproveitamento da região ocupada e dos bens com que chegaram a ela. Igualmente relevante é a determinação das relações estabelecidas entre as pessoas cujo deslocamento está sendo contemplado: vieram elas em grupos? são pioneiros isolados (solteiros) ou seus familiares foram deixados em outras plagas para, eventualmente, serem chamados num segundo momento?

Com respeito ao local para o qual se dá o deslocamento, além dos elementos de ordem geográfica, já lembrados acima, e das eventuais aptidões da área em termos da disponibilidade de recursos, qualidade das terras, vias fluviais existentes, clima, regime térmico e de chuvas, condições pedológicas e perfil do terreno (montanhoso, plano, recortado etc.), deve-se emprestar especial atenção para as vias de comunicação já existentes assim como para a abertura de novos caminhos e rotas e seu desenvolvimento no espaço e no tempo, ou seja, tem-se de tomar em conta a disponibilidade de caminhos (terrestres, lacustres, marítimos e fluviais) que possam servir ao escoamento da produção local e ao recebimento de bens, serviços e informações de outras áreas.
Caso se trate de um ambiente com predominância do sistema escravista é forçoso saber como esta região se vincula com as redes de comercialização de cativos, quais são os mercados fornecedores de mão-de-obra servil e quais os liames comerciais estabelecidos entre essas regiões.

De outra parte, ao apreciarmos o processo de acumulação é imprescindível levar em conta os distintos momentos estudados, considerando, também, que cada fase (reconhecimento, ocupação, alargamento da ocupação, fixação definitiva, expansão produtiva, estabelecimento de comércio sedentário e desdobramento de núcleos rurais e urbanos etc.) apresenta determinados limites para o processo de acumulação individual e do corpo social visto como um todo. Vale dizer, deve-se considerar que, ao lado do dinamismo e da capacitação de caráter pessoal (ao lado da acumulação em termos individuais) existem potencialidades objetivas que dão o ritmo ao processo de "acumulação do conjunto social local", potencialidades estas as quais, a cada passo, atuando como um fator sobredeterminante, estabelecem o balizamento dos processos individuais de enriquecimento. Ademais, o nível de vinculação entre a área em foco e as redes de comércio regionais, "nacionais" e internacionais condiciona tanto o processo local de acumulação como, por conseqüência, os caminhos pessoais de enriquecimento.
Revela-se como tópico da mais alta importância, pois, a definição pormenorizada do padrão de acumulação seguido no correr do tempo pelo núcleo tomado como um todo e em sua interação com o meio "nacional" e o internacional. Paralelamente, nos quadros de tal padrão, é necessário verificar como se processa, a cada lapso, o desempenho dos distintos agentes econômicos que se desenvolveram na área. Aqui, além dos indivíduos, terão de ser considerados os diferentes segmentos ocupacionais existentes localmente.

No tocante às pessoas e aos grupos cuja atração deu-se num segundo momento do processo de ocupação (depois de efetuado o reconhecimento, o desbravamento da área e de ter-se iniciado a sedimentação do novo núcleo), impõe-se a averiguação detalhada de seus atributos de caráter objetivo e subjetivo. Quais as características desse(s) novo(s) grupo(s)? Seu nível de conhecimento e informação? Sua riqueza? Qual a composição do conjunto de seus bens (inclusive e sobretudo de escravos, se for o caso)? Quais as formas de transmissão e manutenção da riqueza através das gerações? Enfim, deve-se, sempre, qualificar as distintas "ondas" de novos ocupantes e, para cada uma dessas "levas" (desses momentos), as particularidades dos diferentes grupos e pessoas que as compõem, ponderando o duplo condicionamento existente entre os novos grupos e aqueles já instalados anteriormente.

Não se deve esquecer, ainda, que tais regiões certamente conheceram um fluxo populacional, vale dizer, há que se reconhecer os fatores promotores tanto da imigração como da emigração. Ao investigador cabe a ponderação de ambos os movimentos, buscando associá-los ao já citado processo de “acumulação social”. Assim, por exemplo, constatar a intensificação ou arrefecimento da associação entre negócios e ligações familiares pode fornecer um indicador relativamente contínuo do dinamismo local, assim como desvendar vínculos que dificultem a aludida mobilidade de setores da sociedade estudada, especialmente em momentos econômicos adversos.

Cumpre notar, por fim, a relevância assumida pelos elementos arrolados acima quando se pretende estabelecer comparações entre o comportamento no correr do tempo das distintas condições sobre as quais se alicerçaram nossas localidades. Sem o conhecimento mais denso dos caminhos por elas trilhados e dos substratos de ordem objetiva e subjetiva que informaram e enformaram o desenvolvimento de cada área, o mero confronto de uns poucos indicadores estatísticos revela-se ilusório, pouco profícuo e, portanto, absolutamente inútil. Assim, ao dirigirmos nossos esforços para a construção de uma história regional solidamente embasada no conjunto das ciências sociais colocadas à disposição do historiador estaremos, correlatamente, erigindo as bases indispensáveis aos confrontos dos quais resultará a identificação dos vários padrões de evolução que certamente estiveram presentes na formação das "populações" e das "economias" brasileiras.