NOTAS SOBRE PROCEDIMENTOS DE PESQUISA: SOBRE A INTRODUÇÃO DE NOVOS CULTIVOS


Iraci del Nero da Costa


A meu ver, o estabelecimento de uma nova cultura apresenta, tanto do ponto de vista econômico como do demográfico, momentos bem distintos: implantação, difusão e consolidação.

IMPLANTAÇÃO

A implantação corresponde à introdução de um novo cultivo, o que se dá, por via de regra, com base na ação de produtores marginais, vale dizer, pequenos produtores sem maiores recursos, tanto em termos de posse e/ou propriedade de terras como no respeitante a fatores materiais (bens de produção e capital) ou humanos (escravos ou concurso de trabalhadores livres).

A incorporação de novas culturas ocorre, ademais, sem qualquer mudança mais expressiva no quadro demo-econômico pré-existente. Muito comumente os pioneiros eram pequenos lavradores que não dispunham de terras próprias nem eram proprietários de escravos; não raro, tratava-se de agregados. Ao que parece, cabia-lhes -- sem que disso tivessem consciência -- o papel de testar as potencialidades do novo bem sem que os demais produtores da área se vissem obrigados a enfrentar riscos ou efetuar gastos.

DIFUSÃO

Provada a viabilidade econômica da cultura introduzida conhecia-se o desenvolvimento de uma nova fase, a da difusão do novo plantio com o alargamento das atividades -- inclusive as de caráter artesanal e/ou comercial -- a ele vinculadas imediatamente.

Dá-se nesse momento não só a incorporação à nova atividade de produtores já estabelecidos na região como a entrada de outros mais, atraídos pelo êxito alcançado pelo novo cultivo. Se os que já se encontravam na área não vêem, de início, grandes alterações em suas posses, nem enfrentam, de imediato, mudanças radicais em sua rotina de trabalho, pois a nova atividade, via de regra, consorcia-se com as atividades desenvolvidas anteriormente, a entrada de novos produtores pode significar grandes transformações, tanto em termos pessoais -- afeta-se aqui a vivência dos recém- chegados, de suas famílias e eventuais acompanhantes (inclusive escravos) -- como no que tange à estrutura e características demográficas e econômicas da área receptora. Têm início nessa segunda fase, pois, processos mais ou menos acentuados de atração, acomodação e repulsão, tanto de pessoas como de atividades. Alterações profundas no perfil demo-econômico podem verificar-se.

O importante a ressaltar aqui é que tais mudanças não podem ser vistas como uma conseqüência da atuação da nova atividade sobre estruturas pré-existentes que se teriam mantido isoladas, ou seja, fechadas às influências externas. Não, embora as alterações devam ser atribuídas à nova atividade, não podem ser referidas à sua ação sobre o perfil demo-econômico pré-existente, pois tais mudanças -- ainda que profundas e dramáticas -- devem ser atribuídas a fatores exógenos, elementos novos introduzidos de fora para dentro com respeito às condições imperantes anteriormente na área. Como veremos adiante, as transformações decorrentes de fatores endógenos -- e, portanto, atribuíveis à atuação da nova atividade -- dão-se no que se poderia considerar longo prazo, vale dizer, na terceira fase aqui contemplada, qual seja, a da consolidação de uma nova atividade.

CONSOLIDAÇÃO

Esta terceira fase é a mais duradoura das três, pois, contrariamente à primeira, que ocupa umas poucas safras, e à segunda, que não se alonga por muito mais de um lustro, esta última se estende até a decadência e/ou definitiva superação da atividade em tela. Nela completam-se integralmente os processos de ajustamento iniciados na segunda fase e consolidam-se as mudanças estruturais decorrentes da ação da atividade em questão. Eventuais elementos fortuitos, introduzidos de modo mais ou menos aleatório na segunda fase, são definitivamente aplainados e amoldados às condições imanentes à aludida atividade. A fim de se realçar as mudanças ocorridas deve-se efetuar o confronto entre o perfil demo-econômico vigente nessa última fase com o que prevalecia no início da primeira.
Por outro lado, do ponto de vista espacial, talvez seja recomendável que a análise se estenda ao entorno regional da área inicialmente contemplada, vale dizer, é aconselhável que se conheçam as condições de vida das pessoas ou grupos que se viram repelidos ou deslocados em decorrência da introdução da nova atividade. Penso aqui nas várias combinações que podem ser estabelecidas entre "piora" e "melhora" das condições de vida, renda ou riqueza.
Assim, além de levantarmos informações sobre a vivência ex ante e ex post facto para os grupos que se viram "beneficiados" pela introdução da nova cultura, devemos nos preocupar em estender tal conhecimento, e de modo circunstanciado, aos segmentos que, de uma forma ou de outra, podem ser considerados "prejudicados" pelo referido cultivo. O avultado número de arranjos possíveis sobre as aludidas condições deve operar, a meu juízo, como um chamamento contra conclusões apressadas e simplistas tomadas a partir de uns poucos indicadores estatísticos ou de um quadro de referências empíricas muito limitado.